terça-feira, 31 de agosto de 2010

'O lamento da Libélula' - Segundo pergaminho.

De volta a pena, tinta e pergaminho. De volta ao meu único ouvinte. Ah, como queria ser aquela desalmada de sempre e não apenas durante meu teatro repetitivo e insano. Mas não posso. E talvez, creio eu, seja este o menor preço que devo pagar. Ver os horrores que vejo, fazer as atrocidades que faço, ser parte dessas aberrações... Enfim, agora dedico-me a proteger a criança imaculada, cuja alma mutilada posso ver cada vez que fecho meus olhos, ah...
Eu conheci Flannait. Não sei ao certo quantas décadas se passaram, mas eu a conheci. Seus olhos verdes sempre foram belos e agora, pendurados cuidadosamente em minha janela, ainda nutrem algo daquele brilho selvagem e maravilhoso da renascida. Ela, caro leitor (se é que estas palavras chegaram a alguém um dia), pôde escolher entre integrar-se à corja de protetoras e meretrizes de Ériko ou permanecer comigo. Bem, não é preciso dizer quem a atraiu mais. Lembro-me de ver Flannait, ferida e debilitada, partir com três renascidas, sem olhar para trás. Mas uma das vampiras olhou e cuspiu no chão próximo a mim, mostrando desprezo. Sem confrontar, apenas me virei e retornei a floresta. A vida, ou mesmo a mera e marginalizada existência é construída ou destruída por escolhas. E até agora, eu apenas destruí.
Eu esperava ver Ériko na noite em que buscaram a escocesa Flannait. Mas ele sabia que eu também queria a garota, e permaneceu escondido com o rabo entre as pernas. Ériko me teme. Ele apavora-se apenas em ouvir meu nome. Tem medo do monstro de criou. Ele permanece oculto por feitiços, contudo, por vezes posso vê-lo. Pouco, mas vejo. Por que prolongar por mais séculos sua existência, Ériko, se és tão covarde?
Enfim, agora me resta observar Joseph, que de nada sabe. Estranho saber que a mesma lua cheia que paira sobre minha torre paira sobre a janela de meu anjo, em um mundo tão diferente deste meu. Sem muitas das memórias de minha vida humana antes de envolver-me com Ériko, não posso sequer dar-me ao luxo de chorar pelo passado. Seguir em frente, libertar de uma vez as almas envolvidas nesta trama, que eu sem consciência de meus atos, teci cuidadosamente como uma teia. Uma teia cármica.

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