sexta-feira, 23 de julho de 2010

'Ofélia, a Libélula' - Primeiro Conto.

   Os cabelos dela são de um negro profundo. Tem cachos tão belos e definidos a cascatear pelas costas. Cachos menores emolduram seu rosto delicado e branco, como boneca de porcelana, e lábios vermelhos, tão rubros como se permanecessem banhados em sangue. Seus olhos possuem sempre uma expressão distante, até vazia. E possuem um tom de azul nunca visto, lembrando duas pequenas e polidas sodalitas sobre mármore branco. Seus olhos são decorados por longos cílios negros e sobrancelhas marcantes. Ela não é alta, não tem mais de um metro e sessenta. Seu corpo todo parece de gesso ou porcelana, devido sua delicadeza e palidez. Seus seios não são como os de mulher feita, mas sim como os de uma jovem de dezesseis ou dezessete anos. O que a macula é uma horrenda cicatriz em seu peito, parcialmente encoberta pelo vestido; Uma cicatriz que parece recente, que doía como tal, mas era muito antiga. Toda a sua aparência é assim, jovem. Flor da idade. Veste-se sempre de azul. Um longo vestido azul, com fitas e babados, preso apenas logo abaixo do busto. O decote em 'u' era decorado por babadinhos, bem como a barra e a manga do vestido. Uma sapatilha azul. E muitas fitas azuis presas ao cabelo sempre solto.
   E assim termino de pintar minha Ofélia, a Libelula, como faria um pintor ou poeta apaixonado.
   Vive sempre sozinha, na torre alta de pedras frias, por onde cresciam trepadas rosas azuis...  em  nenhum outro lugar há estas rosas, apenas ali. Nunca saia da torre na colina descampada no meio da floresta. Ali em seu quarto todo decorado de renda e leves tecidos azuis, ela permanece a se lamentar e a odiar...
   Ofélia sabe que fora enganada, amaldiçoada, traída. Ah, tristeza... Por que ele a machucou daquele modo? Ela não tem mais asas, não era mais libélula para voar com elas... Agora sequer um coração possui. Não se apaixonaria mais e nem deixaria nenhum sentimento tomar conta dela. Era vazia. Por vezes, até a tristeza a abandonava. Ela nada sentia.
   Por vezes, algum desavisado passava por ali. Por vezes a maioria sequer via a torre. Mas Ofélia vê a todos. Quando trava-se de belos e jovens rapazes, Ofélia lembrava-se de seu amado e de sua eterna beleza. Lembrava-se daquele a quem entregou seu coração virgem, que o tirou com suas próprias mãozinhas e deu a ele sem remorso, sem arrependimento. Então, Ofélia desejava ter o belo viajante que passava ali, e o pegava. Ela o atraía para sua teia e era inevitável... Não importa se o rapaz era casado, se não amava ou se já amava alguém, eles sempre vinham quando Ofélia os chamava, sempre. E a amavam. Era quase como um ritual a se repetir sempre. A libélula azul voava para o escolhido e o circundava. Era impossível não encantar-se com sua beleza. O rapaz seguia o animalzinho, subindo pela colina e deparando-se com a torre alta. Espantavam-se com as rosas azuis, jamais vistas, e com seu perfume magnífico, único. A libélula subia voando lentamente, e o jovem a seguia, curioso, esquecia-se de qualquer compromisso ou obrigação. Subia os degraus de pedra, onde folhas e flores caiadas decoravam o local com ar abandonado. As mãos empurravam a porta de madeira bruta, revelando o quarto onde reside a dor e a solidão, a tristeza em sua mais bela forma. Pois quando o jovem infeliz via Ofélia e aspirava o perfume que ela exalava, era dominado por ela. Sentia-se completamente apaixonado, sentia que a amava... Sentimentos que Ofélia manipulava magistralmente e assim abalava e ganhava o coração do viajem. A libélula voa e junta-se aos outros lacinhos que enfeitam o cabelo de Ofélia, tornando-se novamente um deles, o mais brilhante e azul. Os olhos tristes e os braços estendidos ao viajante, clamando compaixão, desejando carinho, e o rapaz hipnotizado acalentava-a nos braços, desejando sugar toda a tristeza em seu coração...
  Mas Ofélia não possuí um coração.
  E logo o carinho torna-se desejo sexual. Ofélia age como boneca, perde a tristeza no olhar e adota olhos vazios, distantes, indiferentes. O jovem tira seu vestido revelando sua palidez imaculada, pura... A horrivel cicatriz no peito de Ofélia é ignorada, não causa repulsa a quem é dominado pelo desejo carnal. Ela deixa que o rapaz a tocasse e a acariciasse, sem retribuir, sem demonstrar qualquer sentimento ou prazer; Sem existir no momento. Quando ele se satisfazia e largava, Ofélia voltava a si. Erguia-se sobre o rapaz, extasiado de prazer. Ele esperava mais, queria mais... Infeliz. Não passava de outra marionete, outra alma aprizionada na teia cármica de Ofélia...Suas mãozinhas com unhas longas e finas deslizaram no peito do jovem e a direita deteve-se no lado esquerdo, sobre a pulsação. O coração. Ofélia então olhava-o nos olhos, e a fala saía dos lábios dele, 'eu te amo', como ela precisava ouvir antes de seu ato final. Lentamente suas unhas perfuraram a pele e a carne do jovem, penetrando fundo, até seu objetivo. O rapaz assustado, gritava e tentava se libertar, mas estava preso a cama; Algo o segurava. Os dedinhos de Ofélia então encontram: o coação, pulsante, vivo! Agarra-o. Puxa-o devagar até arrancá-lo do peito. É preciso ter cuidado. É preciso mater o rapaz vivo. Restam alguns segundos ao jovem, padecendo em dolorosa agonia, tendo sua carne penetrada e suas arterias rompidas. O coração pulsa na mão de Ofélia. Ela o encosta no proprio peito e sua cicatriz vai se abrindo, engolindo o coração, tomando-o para sí.... Este não serve! O peito abre-se novamente, expelindo o coração, recusando-o, rejeitando-o.
  Um choro dolorido. Ofélia chora e espreme aquele coração ensanguentado nos dedos, furiosa, incompleta, triste. Da janela, raízes de árvores entram no aposento, agarrando o corpo inerte e sem vida do rapaz delicadamente, enrolando-o, levando-o para fora, sendo engolido pela grama, junto a outros tantos corpos de rapazes que padeceram sobre o mesmo fim. Os caninos afiadissímos de Ofélia, finos e brancos, perfuraram o coração, sugando o elixir da vida. Se um coração servisse, deixaria de ser o que é... Mas o que é Ofélia?
 O coração não servia, e não serviria nenhum outro que ela tomasse a força, repleto de sentimentos falsos implantados por ela mesma. Nenhum serviria até alguém que realmente a amasse lhe desse o proprio coração, por sua propria vontade; Exatamente como fizera Ofélia, séculos antes, ao monstro que a tornour um monstro pior. Mas quem seria capaz de tamanha façanha? Quem amaria a tal ponto? E quem amaria      Ofélia, sendo o que é, fazendo o que faz?
 Ah, a amargura, o arrependimento... Havia alguém. Alguém que morrera séculos antes, que findou por amor à Ofélia, tentando alertá-la e protegê-la daquele maldito Renascido. Morto. Ah, Ofélia chorava sua morte, lamentava mais do que perda do proprio coração. Pois ele possuía o amor que ela jamais sentira, e ele lhe daria seu coração. Mas por seu egoísmo e cegueira, Ofélia negou-se a acreditar, e o viu morrer quando já era tarde de mais para fugir.
 O ritual seguia-se diariamente, roubando corações e aumentando seu carma, aprisionando na floresta as almas que viam-se vitimas da mentira, da dor, odiando seu algoz e lamentando por seu protetor... Mas Ofélia sabia que o Renascido permanecia existindo em algum lugar, e desejava destruí-lo, arrastá-lo aos raios de Rá, o Deus Sol, que feriam apenas à ele, e vê-lo queimar. Desejava recuperar seu coração... Ou ter outro, dado à ela com amor. Ofélia também sabia que seu anjo amado reencarnaria em algum lugar, em algum momento, e ela o aguardaria para pedir-lhe perdão, por toda dor que ele sentira, e por todos os fios cármicos que ela enrolara em sua alma.
  E a libélula azul brilhante permanecia voar com seu balanço triste e desiludido, até o dia em que pudesse voar alto e livrar-se de tudo aquilo.



4 comentários:

  1. Muito bom! adorei!
    Você escreve muito bem, gostei muito.

    Aguardo anciosamente para saber o que será de Ofélia? e se o seu anjo protetor reencarnará? E se ele vai perdua ela? kkkk .... Ancioso para saber!!

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  2. Ofélia, vai se dar bem no final , vai ter 3 filhos 2 meninas e 1 menino , vai ter uma vida saudavel e ao lado do amor da suavida ^_____^ , fico show sophy adogay mesmo
    e escreva mais , quero a continuasaum da história ^^ te amo viu linda ♥ (:

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  3. Muito bom mesmo! *--*

    achei inspirador e tocante *-*

    x)

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